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Amianto deixa passivo ambiental e de adoecimento

29 de maio de 2018

Questões foram discutidas em Seminário organizado pelo MPT, Abrea e Diesat, com apoio e participação da Fundacentro

No final do ano passado, o Supremo Tribunal Federal – STF decretou a inconstitucionalidade da Lei Federal n° 9055/95, que autorizava o uso controlado do amianto crisotila. Assim o dia 29 de novembro de 2017 ficou marcado pelo banimento da fibra no Brasil, proibindo a extração, industrialização, comercialização e distribuição em todo país.

Mas esse não é o fim desta história. Há todo um passivo ambiental a ser considerado e trabalhadores adoecidos ou que podem adoecer a serem acompanhados. “Nós precisamos tornar visível o quão sério é o problema do amianto. Este silêncio epidemiológico que há no país é uma situação vexatória. Temos que identificar as razões dessa invisibilidade”, afirma a engenheira Fernanda Giannasi.

Neste sentido, o 2° Seminário Internacional Brasil sem Amianto – Uma abordagem da Saúde do Trabalhador, realizado entre 15 e 18 de maio, em São Paulo/SP, trouxe discussões fundamentais sobre diagnósticos, registros, vigilância e epidemiologia, que devem auxiliar neste processo. Também expôs a situação encontrada em outros países como Austrália, Estados Unidos, Itália e Reino Unido.

“Como um dos organizadores do evento, estou saindo extremamente satisfeito. A interdisciplinaridade marcou as discussões. Todos estamos reunidos por acreditar na importância do banimento do amianto”, avalia o médico da Fundacentro, Eduardo Algranti. “É um evento que nos fortalece para enfrentarmos nossa dificuldade. Sem esse trabalho técnico e científico não chegaríamos a lugar nenhum”, completa o presidente da Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto), Eliezer de Souza.

Passivo ambiental e de adoecimento

O procurador Luciano Leivas, do Ministério Público do Trabalho – MPT, ressaltou a importância de consolidar a decisão do STF, o que depende de muitos recursos, além de considerar o passivo deixado pelo amianto. “Nós vamos ter o princípio do poluidor pagador?”, questiona. O MPT organizou o evento em conjunto com Abrea e Diesat (Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho). A Fundacentro e outras instituições foram apoiadoras.

“Foi essencial a participação do Ministério Público do Trabalho para o banimento do amianto. Sempre éramos barrados pelo poder econômico. Agora temos que construir um caminho de reparação ambiental e à saúde”, avalia o pesquisador da Fiocruz, Hermano Castro. “Quem para de usar amianto tem um passivo grande. A periferia de São Paulo é um emaranhado de telhas de amianto”, alerta o médico do Incor, Ubiratan Santos.

A importância da anamnese e do histórico ocupacional do trabalhador foi destacada por vários palestrantes, assim como a realização de exames como a tomografia. Outro aspecto a ser considerado é a subnotificação. “Casos de mesotelioma na Argentina e no México são maiores do que no Brasil, apesar de o amianto ter sido usado 20 vezes mais aqui do que nesses países. Também há a questão do câncer de pulmão. Eventualmente podemos introduzir métodos de rastreamento para alguns grupos e pensar o uso de tomografia de baixa dose”, explica Algranti.

O impacto do amianto no adoecimento dos trabalhadores também permeou os debates. Estimativa de 2016 aponta que 8,4% dos cânceres no mundo tem relação com o trabalho. A maior parte é de câncer de pulmão, e o amianto está entre as principais causas. No entanto, foi totalmente banido em apenas 63 países.

“O asbesto é uma causa importante de mortalidade no mundo, mas o longo tempo de latência faz com que seja um problema de várias gerações. Precisamos gerar estimativas confiáveis. A lógica das empresas é colocar dúvidas sobre os nossos dados. Está claro que temos uma subestimativa nos países em que há o uso do amianto. É nossa função compartilharmos nossas experiências para que não haja mais vítimas”, defende a professora do Imperial College, do Reino Unido, Sara de Matteis.

Ações

A elaboração de um protocolo brasileiro de diagnóstico de mesotelioma foi um dos temas discutidos durante o Seminário. Essa doença é um câncer originado nas células mesoteliais das membranas serosas do corpo como pleura (que envolve o pulmão), pericárdio (que envolve o coração), peritônio (que recobre as paredes do abdome) e túnica vaginalis do testículo.

O objetivo desse documento é fornecer conhecimentos atualizados e uma proposta de padronização dos critérios diagnósticos de mesotelioma maligno de pleura. Pretende-se, assim, reduzir o subdiagnóstico, subsidiar profissionais com ferramentas para sistematizar e padronizar os procedimentos, além de fortalecer a vigilância.

A primeira oficina para discussão do protocolo ocorreu na Fundacentro em outubro de 2016. Na ocasião, foi definida a metodologia, com a posterior publicação de consulta pública dos objetivos. Os trabalhos são coordenados por um Comitê Gestor formado pelos médicos pneumologistas Eduardo Algranti, da Fundacentro, Hermano Castro, da Fiocruz, e pela tecnologista do Inca (Instituto Nacional do Câncer), Ubirani Otero.

Uma reunião presencial, em agosto de 2017, ocorreu na mesma instituição para treinar os especialistas e criar três grupos de trabalho nos temas: clínica, imagem e patologia do mesotelioma pleural. Cada grupo realizou avaliação de resumos e seleção de artigos, que servirão de bases para o trabalho. Inicialmente foram selecionados 1148 resumos de artigos, dos quais 294 artigos completos foram selecionados para serem lidos e avaliados. O processo de elaboração das diretrizes deverá ser concluído dentro de 12 a 18 meses.

“Nosso aprendizado tem sido modulado pelas metodologias do Inca, que são excelentes. Temos que aprender uma metodologia durante o processo. Isso é muito importante para nós”, avalia Algranti. “O Inca e Fundacentro tem trabalhado em conjunto”, completa Otero.

Outra ação apresentada durante o evento, que conta com a participação da Fundacentro, é o Projeto Interdisciplinar sobre o Impacto na Saúde da Exposição Ocupacional ao Amianto – Brasil. A professora da Universidade Federal da Bahia – UFBA, Vilma Santana, destacou a realização de uma oficina na instituição em São Paulo como ponto de partida para a elaboração desse projeto, que conta com o financiamento do Ministério Público do Trabalho/MPT, através de recursos oriundos do acordo coletivo do caso Shell-Basf.

O objetivo da pesquisa é “estimar a dimensão e intensidade da exposição ocupacional ao asbesto no Brasil, a magnitude e gravidade das enfermidades relacionadas (DRA), qualidade dos registros, em especial, dos diagnósticos e a distribuição espacial da exposição e casos”. “Esperamos começar de fato um trabalho de monitoramento efetivo”, explica Vilma Santana.

A ideia é recuperar a história ocupacional de exposição ao asbesto desses trabalhadores. Uma das questões a ser considerada é a de que não existem bases de dados nacionais sobre exposição ao amianto. Já o registro de doenças ocorre nas bases de dados da Previdência Social e do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), que apesar de universal, tem baixa cobertura. Estima-se, assim, que o sub-registro seja alto e a não identificação por acesso reduzido. Há má distribuição e qualidade dos serviços.

Os pesquisadores têm analisado o número de trabalhadores formais de empresas que utilizavam asbestos a partir da Rais (Relação Anual de Informações Sociais), do Ministério do Trabalho. Já foram estimados 50.004 trabalhadores com pelo menos um mês de emprego entre 1992 e 2014. Também estão sendo levantados os casos de doenças relacionadas ao asbestos a partir de bases como Previdência, SIM (Sistema de Informação de Mortalidade), SIH-SUS (Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde), Sinan e registros de câncer.

Debates com participação da Fundacentro

No dia 16, o médico Eduardo Algranti coordenou mesa sobre carga global relacionada ao amianto e foi um dos palestrantes da mesa que abordou diagnóstico, falando sobre asbestose, uma pneumoconiose que se deve à inalação de fibras de asbestos. “É basicamente ocupacional, pois precisa de alta dose, diferentemente do mesotelioma. Sintomas e sinais não são necessários para o diagnóstico de abestose, quando há, é falta de ar”, explica Algranti.

Para se fazer a história ocupacional do paciente, pode-se utilizar questionários estruturados ou matrizes de exposição ocupacional. A tomografia é indicada para detectar esse tipo de adoecimento.

Na manhã de 18 de maio, a pesquisadora da Fundacentro da Bahia, Soraya Wingester, participou da mesa “Amianto: vigilância à saúde – Vigilância epidemiológica dos expostos”. Em sua apresentação, focou na vigilância em saúde do trabalhador, que não deve ficar só em termos de dados epidemiológicos.

Os objetivos da vigilância são “facilitar o reconhecimento das DRA [Doenças Relacionadas ao Asbestos] e o acesso aos dispositivos de reparação existentes; detectar doenças cancerígenas relacionadas ao asbesto, como parte da prevenção secundária; informar os trabalhadores sobre as possíveis consequências dessa exposição sobre sua saúde; oferecer aos trabalhadores o acompanhamento médico apropriado para ajuda-los a conhecer seu estado de saúde; contribuir para a melhoria do conhecimento epidemiológico sobre a exposição ao amianto e suas consequências na saúde”.

Informações: Acs/fundacentro



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